Texto de Danilo Lago
Confesso e confesso e confesso.
Foi mais forte do que eu. Sempre é. Sou culpado. Ainda mais que elas estavam ali, no cantinho da mesa. Fresquinhas, sequinhas, indefesas. E com alho.
A saborosa simplicidade da terra moscando na minha frente. O perfume excitante, a textura crocante, o bronzeado da pele. E sal pra equilibrar o caos do paladar.
Dizem que são francesas, belgas. São acompanhamentos, acompanhadas. Um simples vegetal, produto nobre. Se come com talher, com os dedos. Tanto faz. Nada disso importa. Pra mim, elas são brasileiras. E reticências. Banquete das ruas.
Mas a carne é farsa. Ainda sou culpado. Não aguentei. Nunca aguento. Acho que nunca vou aguentar. Sem arrependimentos. Lombriga é mato, moscou lambeu o prato.
A minha irmã já tinha avisado, não come, heim, esse restinho é meu, cê já comeu quase tudo, mó zoião.
Concordei com ela. Balancei a cabeça, fingi não fazer questão. Continuei mastigando o meu filé de frango, grelhado, com orégano.
Ela acreditou, mastigava como se o mundo fosse uma canção do Marcelo Jeneci. E se esqueceu de si.
Mirei bem o garfo, dei um tiro certeiro e arrastei o resto das batatinhas pra minha boca. Uma delícia. Confesso. Ô coisa gostosa. Confesso. Queria mais. Confesso. Muito mais.
Ela ficou brava. Não demorou muito, deixou pra lá. Só mandou eu me ferrar, seu fominha do caramba, zóião, parece que passa fome, qué isso, pelo amor.
Lembrei disso por causa de um poeminha do Pablo Neruda, no livro Navegações e Regressos. Pelo jeito, ele também era do tipo que disputava as últimas batatinhas da mesa.
ODE ÀS BATATAS FRITAS
Crepita
no azeite
fervendo
a alegria
do mundo:
as batatas
fritas
entram
na frigideira
como nevadas
plumas
de cisne matutino
e saem
semidouradas pelo crepitante
âmbar das olivas.
O alho
lhes acrescenta
sua terrena fragrância,
a pimenta,
pólen que atravessou os recifes,
e
revestidas
de novo
com traje de marfim, enchem o prato
com a repetição de sua abundância
e sua saborosa simplicidade da terra.
Fonte: Neruda, Pablo. Navegações e regressos. São Paulo: Mediafashion, 2012.
Danilo Lago é aspirante na teologia e pescador na literatura. Sabe que é mais fácil começar uma briga do que um texto. Para conhecer mais: