eu robô

Realidade virtual é mato

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Texto de Danilo Malabrito

Confesso que desde a primeira vez que ouvi falar em “drones”, já aumentou bastante o meu medo do futuro. Talvez porque os conheci justamente em uma notícia que dizia serem usados em operações militares. Para matar pessoas. Confesso que agora já não sei nem o que é mais doído, a atrocidade em si ou a frieza ao escrever isso num texto.

É aquela coisa. A tecnologia é criada pro bem e o homem dá um jeito de pecá-la, ou é criada já pro pecado, e o homem acaba dando um jeito de usá-la pro bem? O ser humano é mau por natureza então corrompe a sociedade, ou nasce bom e é corrompido por ela? O biscoito é fresquinho porque vende mais ou vende mais porque é fresquinho? Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Dúvidas que a gente leva pro túmulo.

Mas este texto não é sobre drones nem sobre desgraças nem sobre pecados. Hoje em dia tá na moda a VR: “Virtual Reality”. Realidade virtual, pra nós que usamos chinelos. A busca pela imitação da realidade, pensa só. Sei que os usos dessa inovação são inúmeros, maiores no entretenimento. Imitar a realidade pra se sentir mais vivo… Os dilemas da vida, né.

Claro, eu sei que é o andamento natural da tecnologia. Eu sei que é inevitável essas coisas. O progresso é um fato, tipo os drones. E as dúvidas. Não, não é que eu ache que os óculos de realidade virtual, por exemplo, vão ser usados por militares para matar pessoas. Se bem que sei lá também, a cada inovação, falta menos quilômetros pra chegar em White Bear (se você ainda não viu “Black Mirror”, para tudo e começa já!). Mas eu disse que o texto não era sobre pecados.

Mas e o Saramago? O Saramago tá aqui porque é autoridade no assunto desse texto. Esses dias tava lendo um livro de entrevistas com ele e sua esposa, a Pilar. Daí que um trecho lá me fez ficar pensando como é louco isso que a gente tem de querer imitar tudo, e desvendar tudo, e como isso é quase sempre de um jeito mais mecanizado, mais morto.  A gente quer entender o mundo às vezes de uma forma violenta com nossa humanidade. Tô falando do apagamento dos sonhos. Juro que não tenho nada contra o avanço tecnológico, é lógico. É só que quando penso nos rumos que a gente pode tomar…

No “Eu, Robô” (o livro, lá de 1950), tem uma frase assim: “De agora em diante, todos os conflitos humanos são evitáveis. Apenas as máquinas são inevitáveis”.

Mas o quanto a gente tem que se deletar pra abrir espaço pra máquina? A resposta é que.

Saramago. Tem um trecho da entrevista em que ele faz uma senhora revelação. O mestre em realidade virtual com as distopias de seus livros diz que essa tecnologia já existe há milênios, acredite ou não.

Com todo respeito às verdades que os homens procuram pra amaciar os pecados que cultivam, meu sonho favorito é um que eu saía gritando na rua “parem de assassinar mistérios!!!”. E eu nem sabia mais se acordava.

Costumo dizer que, depois de Deus, sonhar é o maior mistério que não precisa de resposta.

O sonho é uma espécie de realidade virtual. A realidade virtual não foi inventada ontem, o homem das cavernas já sabia o que era a realidade virtual… porque sonhava.

Portanto não me venham cá com histórias… Ai! a realidade virtual! Ui!… Isso é tão velho como o mundo.

Estamos a viver no sonho coisas como se elas existissem – estão dentro da nossa cabeça simplesmente. É como se viajássemos para dentro de nossa cabeça e vivêssemos aquilo que está lá.

Antes, não lhe podíamos chamar realidade virtual, porque o conceito não existia. Chamávamos-lhe apenas sonho.

E a verdade é que nós dormimos mas o cérebro não dorme. Portanto dos dados da experiência, da consciência e do que pode recordar, o cérebro organiza histórias.

O cérebro não dorme, aliás, nada dorme. O coração tampouco dorme, o sangue flui. Todas essas células, tudo isso, a bicharada que está dentro de nós não para.

O sangue tem de chegar ao cérebro, a toda a parte, e lá tem os seus caminhos, as suas comportas, os seus diques, os seus canais de comunicação. É assim, pá…

FONTE: MENDES, Miguel Gonçalvez. José e Pilar: conversas inéditas. São Paulo, Cia das Letras, 2012, p. 21.


Danilo Malabrito é um amigo do silêncio. Nunca sonha à noite e acorda tarde todo dia. Sua meta é não ter metas, apenas atravessar. Não acredita nos diplomas e gosta mais das coisas que não sabem virar assunto. Daí escreve poemas. Para conhecer mais:

Blog: http://malabrito.blogspot.com.br/